Nelson Moleiro
Cortes de Cima, um sonho traduzido em grandes vinhos

Já foi há mais de um mês que fizemos uma visita a este local emblemático e histórico dos vinhos alentejanos, a Adega das Cortes de Cima, na Vidigueira. Acabou por se tratar de uma visita quase informal, de conhecidos, de amigos. As redes sociais têm destas coisas, e alguns sítios, mas fundamentalmente algumas pessoas, tornam-se mais próximas, sem mesmo nunca ter existido um contacto directo entre elas. Na minha relação com as Cortes de Cima foi mesmo assim, o José Eduardo passou a seguir o nosso blog aquando da nossa publicação sobre o Sorvete de Vinho Rosé com Framboesas (Cortes de Cima Rosé 2015), e criou-se uma relação de "proximidade" e interacção pessoal no meio deste vasto universo virtual.
Além de tudo isto, o portefólio vínico Cortes de Cima, focado na diferença e irreverência, e contrariando alguns pressupostos e dogmas regionais e mesmo nacionais, sempre me despertou curiosidade e interesse. Tintos de castas estrangeiras do velho mundo franciu ali na Vidigueira? Vinhos brancos a revelar distinção e personalidade? Pois é, matei o meu desejo de visitar este local, conhecer de perto a sua história, pessoas e projecto.
A história associada ao nascimento das Cortes de Cima é motivadora e apaixonante. Um casal americano-dinamarquês que em 1988 partiu num veleiro com o sonho de encontrar um lugar onde pudessem constituir família e plantar vinhas para fazer vinho para amigos. Provenientes do lado de lá do globo, atracaram em Portugal, como qualquer bom turista meteram-se à estrada e foi em pleno Alentejo que descobriram o local onde hoje se situa o complexo das Cortes de Cima. Hans Jorgensen, nascido na Dinamarca e com formação em Engenharia Mecânica, passou também muitos anos na Malásia a trabalhar em plantações exóticas locais. Temos então engenheiro, viticultor e também piloto de aviação, já que Hans trouxe para o Alentejo a paixão de pilotar uma avioneta para observar as suas vinhas lá bem do alto, hoje em dia substituída por modernos drones e estações meteorológicas, não fosse ele engenheiro.











Numa terra de castas predominantemente brancas, Hans fugiu ao óbvio e apostou nas castas tintas, recorrendo a estudos em Universidades credenciadas no estrangeiro, de forma a obter os melhores pareceres e consultorias. Daí termos no portefólio Cortes de Cima muitos vinhos de castas tintas nacionais e estrangeiras, como syrah, que Hans e Carrie acharam ter na Vidigueira o clima e terroir certo para desenvolver e fazer nascer um syrah único e distinto no mundo. Nasceu então em 1998 o primeiro syrah das Cortes de Cima e do Alentejo, envolto em grande polémica, já que as regras da CVRA não permitiam rotular um vinho de syrah. Como forma de contornar a questão foi rotulado com o nome Incógnito, foi enviado para imensos concursos e eventos mundiais, tendo ganho imensos prémios por esse mundo fora, reconhecimento e distinção pela sua excelência. Tudo isto fez alterar o paradigma regional, tudo mudou, e passou a ser permitido existir syrah alentejano. Por vezes precisamos de recorrer além fronteiras para dar uma sacudidela e abrir as mentes mais cépticas.

A visita à Adega, bem acompanhada e explicada pelo José Eduardo foi extremamente elucidativa e educativa, bem enquadrada no panorama regional, principalmente para malta como eu que muitas vezes se remete para o que vê no copo e esquecemos todo o processo até existir vinho engarrafado. E o que posso dizer? Podem não possuir a Adega mais bonita, mas possuem uma Adega funcional e totalmente apta a produzir vinhos de qualidade.




Quanto à prova realizada, foi do mais informal e descontraído possível, quase duas horas sentados numa esplanada com vista para aquela deslumbrante paisagem de vinhas intermináveis, com um sol primaveril e uma excelente companhia. Daí ter-me perdido um pouco e descurado algumas fotos aos vinhos provados, mas consistiu numa prova muito completa e evolutiva. Por vezes há que deixar os telemóveis e câmaras fotográficas de parte e simplesmente desfrutar o momento.
Vinhos
Cortes de Cima Rosé
Cortes de Cima Sauvignon Blanc
Cortes de Cima Branco
Corela
Chaminé Tinto
Cortes de Cima Aragonez
Cortes de Cima Trincadeira
Cortes de Cima Homenagem a Christian Andersen
Cortes de Cima Syrah
Incógnito (Syrah)
Penso, se a memória não me falha, ter sido esta a tabanca montada, onde também pudemos degustar o Azeite Cortes de Cima e alguns queijos e enchidos regionais. Muitos dos vinhos são já nossos conhecidos, em outras ocasiões falaremos de alguns deles com mais calma, tendo sido a primeira vez que provei o Incógnito, no caso a colheita de 2012. É um vinho que não ficamos nada indiferentes, apesar de ainda jovem e com grande potencial de envelhecimento. De cor bem escura apresenta no nariz uma harmonia de fruta preta madura, alguma baunilha e tostado. Na boca, sedutor, aveludado e envolvente, sua suavidade inicial é marcante, mas mostra-se firme com os seus taninos, complexo, com uma muito boa acidez, o que me agrada em particular. A ver como estará daqui a uns tempos.









Por fim, só terei que agradecer a toda a equipa Cortes de Cima pela excelente visita proporcionada, e em especial ao José Eduardo, pela sua hospitalidade e amizade. Um bem haja a todos e siga para a frente, queremos mais vinhos destes! Obrigado

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