Nelson Moleiro
Enóphilo Wine Fest Coimbra 2018

A maioria dos eventos relacionados com vinhos em território nacional ou decorre em Lisboa ou no Porto, daí que é de louvar sempre que se realiza alguma iniciativa do género fora desses polos, e aplaudo tanto pela coragem e risco, como pela necessária descentralização. A continua centralidade acaba por ser ponto negativo e monótono de alguns eventos. O Wine Fest, agora com o nome de Enóphilo, é um evento vínico que sigo e gosto de promover, uma vez que acaba por ser um evento de média dimensão, micro-evento, onde há oportunidade de pequenos produtores de menor visibilidade mostrarem os seus vinhos e projectos. Nos grandes eventos, ou não estão presentes, ou são abafados pelos grandes grupos. Desta forma, conseguimos chegar junto das pessoas e produtores que nos passam ao lado habitualmente, chegar directamente à palavra, conhecer os vinhos e ideias.
O Enóphilo Wine Fest em Coimbra foi um desafio com grande dose de ousadia e imprevisibilidade. Confesso que tinha curiosidade em saber como a população de Coimbra acedia a esta chamada, já que estudei por esta maravilhosa cidade, e conheço as particularidades da mesma. Não conheço números nem expectativas, mas penso que esta primeira edição realizada no Convento de São Francisco foi um verdadeiro sucesso, todos nós agradecemos e esperamos pela edição do próximo ano. Fala-se em cerca de 500 participantes. Parabéns ao Luís Gradíssimo e toda a equipa pela coragem e aposta.
Além da presença no salão geral, acedi a fazer uma das provas especiais disponíveis nesta edição, Quinta do Cardo, um produtor da Beira Interior que conheço relativamente bem mas no seu capitulo mais recente e pelas mãos do enólogo Luís Leocádio. Os brancos da casta Síria têm dado muito conta de si, e o jovem enólogo trouxe o terroir da Beira Interior para as manchetes, vinhos de grande qualidade.

Prova Especial Quinta do Cardo
"Passado, Presente e Futuro": Uma prova entre brancos e tintos que percorreu a história da Quinta do Cardo, emblemático produtor da região da Beira Interior. Nesta prova foram apresentados alguns dos mais emblemáticos vinhos dos últimos 40 anos, tentando compreender a sua evolução e conhecer de perto aquele terroir de altitude.


Em concreto procurou-se mostrar ao enófilo e consumidor a evolução que a viticultura e enologia da Quinta do Cardo sofreu ao longo das décadas, desde a tradicional agricultura da década de 80 e 90, passando pela agricultura sustentada, e mais recentemente totalmente biológica. Os aspectos de vinificação e enologia também foram evoluindo ao longo dos anos.
Brancos
Quinta do Cardo 1989
Quinta do Cardo Síria 1999
Quinta do Cardo Síria Reserva 2006
Quinta do Cardo Síria Reserva 2015
Quinta do Cardo Vinha do Lomedo 2015
Nesta sequência evolutiva de provas iniciou-se com Cardo 1989. Temos um vinho branco muito mineral e fresco, surpreendente para a idade, sem fruta proeminente, com cremosidade e prolongamento em boca. Mostrou-se contido no nariz, com poucas notas aromáticas. Um vinho sem estágio em barrica, e que estagiou longos anos em garrafa.
O Quinta do Cardo Síria 1999 apesar de 10 anos mais novo, revelou-se muito evoluído e madurão, já tendo passado o seu tempo de consumo. Já o Reserva 2006, forte aroma fumado, sente-se a barrica, mas com a fruta perfeitamente integrada pelo estágio, onde o denominador comum continua a ser a mineralidade.
Passou-se à nova geração, Quinta do Cardo Síria Reserva 2015 e Quinta do Cardo Vinha do Lomedo 2015, vinhos estes que já conhecia. O Reserva 2015 a mostrar corpo e textura, algo gordo, com notas fumadas do estágio e alguma fruta branca madura, tudo muito ténue e harmonioso, num perfil mineral completamente destacado. O Vinha do Lomedo 2015, um branco de Síria da melhor parcela de vinhas. Sente-se ainda a barrica nova, baunilha, mas sem expressão abusiva, um vinho produzido muito à base da battonage, de forma a tirar o máximo da casta Síria, habitualmente pouco expressiva. Luís Leocádio aplica o método champanhês para explorar o ponto forte desta uva. Temos que ressalvar que é um vinho que foi engarrafado há somente 3 semanas.



Rosés
Quinta do Cardo Caladoc Reserva 2016
Uma uva habitualmente muito produtiva e expressiva. Mostrou-se um rosé distinto e incisivo, muito fruto vermelho e silvestre, mirtilos, framboesas, principalmente em boca, com tosta bem integrada e com bom volume e acidez. Considero um rosé de altíssimo nível e altamente gastronómico.
Tintos
Quinta do Cardo 1990
Quinta do Cardo Touriga Nacional 1998
Quinta do Cardo Touriga Nacional Reserva 2008
Quinta do Cardo Touriga Nacional Reserva 2014
Quinta do Cardo Grande Reserva 2014



Quinta do Cardo 1990, com uma cor evoluída, proveniente da uva mourisco, uma casta muito remota. Muito taninoso e de cor a lembrar um Pinot, já passado do limiar, se bem que alguns diriam que não.
Passado ao Quinta Cardo 1998, a meu ver, um vinho já ultrapassado, decaído. A acidez é a marca, se bem que não tem qualquer expressão de fruta.
Seguiu-se o Quinta do Cardo Touriga Nacional 2008, já englobado no âmbito de agricultura protecção integrada, com um nariz complexo e notas resinadas, aromas a terra e iodo. Na boca, presença de forte ataque do tanino.
O Quinta do Cardo Touriga Nacional 2014, um vinho já da nova geração de viticultura biológica, presença no nariz de fruta fresca, casca de pinheiro e aromas de bosque, mentolado, fresco e intrigante. Os dois anos de barrica contribuem para uma excelente integração e harmonia no vinho, dando volume e limando arestas.
Por fim, Quinta Cardo Grande Reserva 2014. Touriga, Caladoc e Tinta Roriz. Muito directo e grande nariz, um grande blend, presença de fruta vermelha fresca apelativa. Um vinho vegetal e único.
O que retirei desta prova foi a constatação do enorme potencial regional para a produção de vinhos, com pontos positivos e negativos no envelhecimento (algumas evoluções positivas e outras negativas), mas um aspecto comum e relevante, acidez, frescura e muita mineralidade. Beira Interior, um terroir e região a merecer um olhar atento e especial no futuro.
Seguem-se algumas fotos de vinhos e produtores que provei e destaco. Um exercício sempre difícil, subjectivo e pessoal, meramente indicativo de boas experiências informais durante aquela bela tarde de sábado.
Um brinde a todos, até já Coimbra.